quinta-feira, 12 de maio de 2011

Magia do verdadeiro

Tanto a pintura quanto a fotografia, enquadradas no visual, estão encobertas pela subjetividade do olhar de quem a faz, mas o suporte é quem comumente dirige parte da interpretação. “As pessoas acreditam na realidade das fotografias, mas não na realidade das pinturas. Isso dá uma vantagem para os fotógrafos. O problema é que os fotógrafos também acreditam na realidade das fotografias.”, afirma Duane Michals. (1982, apud SOULAGES, 2010, p.80) Por isso, trago a questão da “realidade” na fotografia e a forma como atua tal imperialismo sob o prisma de que tal manifestação visual é embutida de ficções.


A ficção do verdadeiro

A fotografia teria nascido como a possibilidade de registro daquilo que a pintura ainda não havia conseguido realizar. Essa característica teria iniciado uma confusão entre a descoberta de possibilidades e a essência da fotografia, segundo Soulages. (2010) Assim a membrana que envolve a fotografia foi sendo enxertada de realismo, o que gerou por conseqüência a rejeição de sua entrada nas formas de manifestações de arte ou como ficção de algo. Com a confusão entre o que seria possível e o que seria essência, a novidade da cópia exata e fiel dos fenômenos foi mantida como estatuto da fotografia, descartando a conexão com a arte ou a ficção.

Percebeu-se muito rapidamente a possibilidade de um desvio do meio fotográfico: do realismo ao irrealismo, da fotografia como produção à fotografia como criação, ou melhor, da duplicação à ficção. No momento de tirar a foto, de revelá-la, de fazer a cópia, o fotógrafo podia intervir e, portanto, manipular a foto. (SOULAGES, 2010, p.109)



Para Soulages (2010), a questão da realidade na fotografia se situa no mesmo plano que a pintura, mas ao partirem das diferentes formas em que se apresentam e no emblema que representa a crença de real ou imaginário, parte do processo de interpretação é estimulada pelos suportes técnicos. O autor defende que, assim como a pintura é construída conforme a imaginação de seu autor, na fotografia essa abertura também está ao alcance através da manipulação de suas unidades sígnicas, das escolhas técnicas em laboratório ou nos ajustes de segundos antes de apertar o botão.
Assim como o pintor escolhe seus pincéis e melhores materiais a fim de transformar a imagem mental em algo material, vivo e aceso, a fotografia também estaria aberta à construção, carregada de subjetividade. Afirma Soulages (2010, p.115, 116): “E isso é verdadeiro por duas razões: primeiro, porque toda foto pode produzir ficção, e, em seguida, toda recepção de uma foto tende à ficção.” Não sendo mais uma reprodução, a fotografia estaria ao lado da ficção.

O realismo, que no início foi uma prática e uma doutrina necessárias, tornou-se imperialista, pois se confundiu e se quis confundir condição de possibilidade de um nascimento com condição de possibilidade de um funcionamento – em outras palavras, começo e essência. (SOULAGES, 2010, p.109)


A magia da “verdade” documental da fotografia incide sobre a crença coletiva de um grupo numa espécie de confiança depositada, ao se interpretar na imagem os elementos trazidos como uma cópia ou simulacro dos fenômenos. A credibilidade das fotos vistas em jornais, a exemplo, criou uma espécie de verdade embutida, confundindo fotografia com a realidade subjetiva dos fenômenos, atenuando-lhe a crença de reprodução do real.
A fotografia em condições particulares participa como um artefato que equivale a um substituto de algo, como um signo reconhecido por uma cultura. Nisso a fotografia ganha duas vertentes: enquanto traz uma sensação mágica de verdadeiro é também um espaço para a ficção. É nesse hibridismo que se faz ver seu suporte, o qual assinala a questão sobre o crédito de crença de real, cópia ou a representação da fotografia. Para Soulages (2010, p.115) “Não se trata de tentar atingir a realidade pela fotografia, mas de visá-la na realidade da fotografia.” Ao partir desse pressuposto, considera-se a fotografia não como uma forma de apresentar o visível, mas sim de tornar visível algum fenômeno, para que, por sua vez, se possa tentar compreender a condição humana fenomenal. 

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A discrepância na imagem

Entre a objetividade e a subjetividade; a apreciação estética e a decodificação sígnica; a grande angular e a teleobjetiva; as cores primárias e os tons variantes do preto e do branco; a profundidade de campo e os planos nítidos; o enquadramento e a escolha do momento de apertar o botão: a fotografia começa sua construção nas escolhas do fotógrafo e a partir delas nascem um universo de mensagens que os leitores poderão se inundar ao absorver por simbiose cada traço desenhado pela luz.
Na performance executada na visão do fotógrafo, a forma como a imagem é concebida e a técnica empregada refletem na mensagem, mas não se pode esperar dela uma interpretação única: é o leitor  quem identifica os signos de acordo com suas peculiaridades culturais e quem lhe confere o sentido.
Há razões para se acreditar na fotografia, assim como há contrapontos que convencem a uma ideia contrária; não se pode esperar da imagem uma verdade ou uma ligação direta com o real, e ao falar isso não trago nenhuma novidade, eu sei. Mas, ao acrescentar que toda fotografia é construção de realidades, amplio a discussão não somente para o indivíduo que fotografa e que expõe através de seu olhar a sua interpretação, diante da escolha que o fez enquadrar, escolher a objetiva, as melhores cores, luzes e uma construção de signos que querem dizer algo - mesmo que às vezes não se pretenda dizer coisa alguma, seja no jogo das imagens abstratas por exemplo, como as telas de Pollock, ou nas confusões de signos e elementos jogados num contexto fora de seu habitat natural. Mas também falo, e ressalto, como o leitor absorve e interpreta a imagem, de como é importante o contexto em que ela está inserida, seja num jornal, numa exposição de galeria, num outdoor publicitário, em uma campanha política ou mesmo um mapa que explica dentro de um livro de geografia onde está situado cada país.
Não se pode obter de uma fotografia um único texto: cada leitor de imagem a lê de uma forma de acordo com os caracteres que decodifica e de acordo com a tal "bagagem cultural" que lota seu universo, seus pensamentos a respeito das coisas abstratas ou materiais existentes em seu mundo. É na imaginação do espectador onde se formula e se extrai a mensagem, e é através do que ele aprendeu sobre o mundo que as qualidades do signo se revelam e ganham sentido na mostra fotográfica. Por isso, fotografia é  ilusão.
É claro que existem outros pontos relevantes no processo de leitura, como o contexto em que está inserida, o suporte e a mensagem verbal que acompanha a imagem que pode se apresentar na forma de legenda, subtítulo ou um nome que a batiza. São elementos externos à imagem que complementam e conduzem o leitor a assentar os pensamentos em algo já pré-determinado. (Mas, esse é outro assunto que não quero discutir agora.)
É por isso que acredito que toda imagem é um conto: traz uma historia, mas os personagens revelados se concentram na absorção do espectador, o qual confere através de seus sentidos a porta da interpretação do que lhe é mostrado. E é ele quem dá sentido e forma ao que nós, fotógrafos, tentamos – intencionalmente ou não – lhe dizer.
Assim, como na ilusão de um conto, a imagem se revela como uma discrepância do destino: cada um vê e lê uma fotografia distinta vinda do no mesmo referente.



Veja na imagem o que quiser e puder ver.
Faça você a imagem.