Tanto a pintura quanto a fotografia, enquadradas no visual, estão encobertas pela subjetividade do olhar de quem a faz, mas o suporte é quem comumente dirige parte da interpretação. “As pessoas acreditam na realidade das fotografias, mas não na realidade das pinturas. Isso dá uma vantagem para os fotógrafos. O problema é que os fotógrafos também acreditam na realidade das fotografias.”, afirma Duane Michals. (1982, apud SOULAGES, 2010, p.80) Por isso, trago a questão da “realidade” na fotografia e a forma como atua tal imperialismo sob o prisma de que tal manifestação visual é embutida de ficções.
A ficção do verdadeiro
A fotografia teria nascido como a possibilidade de registro daquilo que a pintura ainda não havia conseguido realizar. Essa característica teria iniciado uma confusão entre a descoberta de possibilidades e a essência da fotografia, segundo Soulages. (2010) Assim a membrana que envolve a fotografia foi sendo enxertada de realismo, o que gerou por conseqüência a rejeição de sua entrada nas formas de manifestações de arte ou como ficção de algo. Com a confusão entre o que seria possível e o que seria essência, a novidade da cópia exata e fiel dos fenômenos foi mantida como estatuto da fotografia, descartando a conexão com a arte ou a ficção.
Percebeu-se muito rapidamente a possibilidade de um desvio do meio fotográfico: do realismo ao irrealismo, da fotografia como produção à fotografia como criação, ou melhor, da duplicação à ficção. No momento de tirar a foto, de revelá-la, de fazer a cópia, o fotógrafo podia intervir e, portanto, manipular a foto. (SOULAGES, 2010, p.109)
Para Soulages (2010), a questão da realidade na fotografia se situa no mesmo plano que a pintura, mas ao partirem das diferentes formas em que se apresentam e no emblema que representa a crença de real ou imaginário, parte do processo de interpretação é estimulada pelos suportes técnicos. O autor defende que, assim como a pintura é construída conforme a imaginação de seu autor, na fotografia essa abertura também está ao alcance através da manipulação de suas unidades sígnicas, das escolhas técnicas em laboratório ou nos ajustes de segundos antes de apertar o botão.
Assim como o pintor escolhe seus pincéis e melhores materiais a fim de transformar a imagem mental em algo material, vivo e aceso, a fotografia também estaria aberta à construção, carregada de subjetividade. Afirma Soulages (2010, p.115, 116): “E isso é verdadeiro por duas razões: primeiro, porque toda foto pode produzir ficção, e, em seguida, toda recepção de uma foto tende à ficção.” Não sendo mais uma reprodução, a fotografia estaria ao lado da ficção.
O realismo, que no início foi uma prática e uma doutrina necessárias, tornou-se imperialista, pois se confundiu e se quis confundir condição de possibilidade de um nascimento com condição de possibilidade de um funcionamento – em outras palavras, começo e essência. (SOULAGES, 2010, p.109)
A magia da “verdade” documental da fotografia incide sobre a crença coletiva de um grupo numa espécie de confiança depositada, ao se interpretar na imagem os elementos trazidos como uma cópia ou simulacro dos fenômenos. A credibilidade das fotos vistas em jornais, a exemplo, criou uma espécie de verdade embutida, confundindo fotografia com a realidade subjetiva dos fenômenos, atenuando-lhe a crença de reprodução do real.
A fotografia em condições particulares participa como um artefato que equivale a um substituto de algo, como um signo reconhecido por uma cultura. Nisso a fotografia ganha duas vertentes: enquanto traz uma sensação mágica de verdadeiro é também um espaço para a ficção. É nesse hibridismo que se faz ver seu suporte, o qual assinala a questão sobre o crédito de crença de real, cópia ou a representação da fotografia. Para Soulages (2010, p.115) “Não se trata de tentar atingir a realidade pela fotografia, mas de visá-la na realidade da fotografia.” Ao partir desse pressuposto, considera-se a fotografia não como uma forma de apresentar o visível, mas sim de tornar visível algum fenômeno, para que, por sua vez, se possa tentar compreender a condição humana fenomenal.