segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A discrepância na imagem

Entre a objetividade e a subjetividade; a apreciação estética e a decodificação sígnica; a grande angular e a teleobjetiva; as cores primárias e os tons variantes do preto e do branco; a profundidade de campo e os planos nítidos; o enquadramento e a escolha do momento de apertar o botão: a fotografia começa sua construção nas escolhas do fotógrafo e a partir delas nascem um universo de mensagens que os leitores poderão se inundar ao absorver por simbiose cada traço desenhado pela luz.
Na performance executada na visão do fotógrafo, a forma como a imagem é concebida e a técnica empregada refletem na mensagem, mas não se pode esperar dela uma interpretação única: é o leitor  quem identifica os signos de acordo com suas peculiaridades culturais e quem lhe confere o sentido.
Há razões para se acreditar na fotografia, assim como há contrapontos que convencem a uma ideia contrária; não se pode esperar da imagem uma verdade ou uma ligação direta com o real, e ao falar isso não trago nenhuma novidade, eu sei. Mas, ao acrescentar que toda fotografia é construção de realidades, amplio a discussão não somente para o indivíduo que fotografa e que expõe através de seu olhar a sua interpretação, diante da escolha que o fez enquadrar, escolher a objetiva, as melhores cores, luzes e uma construção de signos que querem dizer algo - mesmo que às vezes não se pretenda dizer coisa alguma, seja no jogo das imagens abstratas por exemplo, como as telas de Pollock, ou nas confusões de signos e elementos jogados num contexto fora de seu habitat natural. Mas também falo, e ressalto, como o leitor absorve e interpreta a imagem, de como é importante o contexto em que ela está inserida, seja num jornal, numa exposição de galeria, num outdoor publicitário, em uma campanha política ou mesmo um mapa que explica dentro de um livro de geografia onde está situado cada país.
Não se pode obter de uma fotografia um único texto: cada leitor de imagem a lê de uma forma de acordo com os caracteres que decodifica e de acordo com a tal "bagagem cultural" que lota seu universo, seus pensamentos a respeito das coisas abstratas ou materiais existentes em seu mundo. É na imaginação do espectador onde se formula e se extrai a mensagem, e é através do que ele aprendeu sobre o mundo que as qualidades do signo se revelam e ganham sentido na mostra fotográfica. Por isso, fotografia é  ilusão.
É claro que existem outros pontos relevantes no processo de leitura, como o contexto em que está inserida, o suporte e a mensagem verbal que acompanha a imagem que pode se apresentar na forma de legenda, subtítulo ou um nome que a batiza. São elementos externos à imagem que complementam e conduzem o leitor a assentar os pensamentos em algo já pré-determinado. (Mas, esse é outro assunto que não quero discutir agora.)
É por isso que acredito que toda imagem é um conto: traz uma historia, mas os personagens revelados se concentram na absorção do espectador, o qual confere através de seus sentidos a porta da interpretação do que lhe é mostrado. E é ele quem dá sentido e forma ao que nós, fotógrafos, tentamos – intencionalmente ou não – lhe dizer.
Assim, como na ilusão de um conto, a imagem se revela como uma discrepância do destino: cada um vê e lê uma fotografia distinta vinda do no mesmo referente.



Veja na imagem o que quiser e puder ver.
Faça você a imagem.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Lide

Minha paixão pela fotografia, lembro-me bem, começou a partir de uma imagem excepcional: um garoto sentado na calçada de uma casa de barro, e havia uma luz rasa, suave, chamando a atenção para seus olhos verdes. Decidi colar com fita adesiva na porta de meu guarda-roupa, e a partir dali encarava o guri sempre que a abria. Aos poucos, fui "colecionando" imagens, aprisionando aquilo na minha visão cotidiana. Até que me vi assustada ao perceber que duas portas não ofereciam tanto espaço para tanta imagem. Então, separei uma gaveta para elas, e fui amontoando-as. Estava apaixonada.

Não senti curiosidade pela prática da fotografia até entrar na faculdade e me ver envolvida nas aulas com o fotógrafo Celso Brandão, quem digo ter sido meu grande mestre: "Sionelly, que foto sem sentido!" ou "Não! Essa não tá boa! Por quê você não usou melhor esta luz aqui, menina?", ou ainda "Passa essa que eu não quero nem comentar!". É, foi tenso! Mas, percebi mudanças positivas depois que comecei a praticar como ele me indicava. Parecia estar no caminho certo até ouvir: "Hum... Eu só cortaria melhor aqui, apenas!". Enfim, estava evoluindo! Tive cada vez mais certeza de que aquilo me fazia muito bem. Como diz uma frase citada aqui mais acima nesta página, de Dorothea Lange, depois que se aprende a enxergar através da câmera, enxergar sem ela é consequência do hábito de se aprender a ver e a sentir.

Há algo que só a fotografia proporciona. Ela não é apenas "registro" que faz lembrar algo. É transcendental a qualquer ideia, porque ela nos abre as possibilidades para podermos ver e sentir o que as coisas proporcionam de sentimentos ao serem contempladas. Fotografia é estesia. Transformação. Conhecimento. Sentimento. Excitação.

Trarei aqui minha visão a respeito dessas ideias, através das análises que postarei em seguida, como prática para exercícios que iniciei com o mestrado.


Aqui, por fim, darei abrigo aos pensamentos que envolvem esse novo universo que tenho descoberto: um mundo enquadrado.

terça-feira, 6 de julho de 2010

"As cores da cidade cinza"

"Curitiba tem muitos encantos, e fotografar o seu cotidiano me permitiu ver a cidade de uma forma mais poética, mas também me fez estar em acontecimentos um pouco mais ferozes, como o alagamento no Bairro Alto. Sem dúvida, as imagens me levaram a uma exploração mais sutil das diversas situações, uma experiência incrível. Os detalhes que surgem à percepção ao perambular as ruas trouxeram destaques dos minúsculos acontecimentos do dia-a-dia. As imagens deste ensaio são o que senti sobre a cotidianidade dos passos refletidos nas ruas e praças de Curitiba, minúsculas urbanas traduzidas em fotografias."

Foi assim que pus no cantinho da página, dentro do box que se intitulava "Fala, Foca!". Nas duas páginas do jornal, fotografias que fiz durante 5 meses de treinamento no jornal Gazeta do Povo. Realmente foi uma experiência fora do comum. Diariamente, retratava uma cidade com uma luz esplêndida, porém de curto prazo. Uma luz rasa, boa parte do tempo, temperada com o filtro das nuvens, as quais deixavam o céu cinza com a espessa água que carregava. A organização da cidade, a limpeza de muitas ruas, o número grande de barraquinhas de jornal pelas praças, árvores frondosas, com flores pintadas à mão nas mais raras e delicadas cores.

Mas, também vi chuvas castigarem: lares invadidos pela furiosa água vindo do céu em baldes grandes; pessoas sendo deslocadas para casas mais seguras (no entanto, lugares bastante afastados da região central). Vi a região metropolitana, carente de ajuda, uma área à parte do que se conhece de Curitiba. Lares simples, vilas grandiosas, vidas de gente guerreira.

O treinamento acabou na semana passada, e, como dá pra perceber, estava no setor de fotojornalismo. Foram dias com muito aprendizado, de novas visões, uma abertura me oferecida como um presente. Sair pelas ruas da maior cidade do Paraná colhendo retratos de estranhos, conhecendo histórias surpreendentes, luzes quentes e frias, calçadas povoadas de pernas que se moviam sem parar, lares e olhares invadidos pela água: a Curitiba heterogênea e única em sua mistura de culturas.

Sem dúvida, um privilégio ter a oportunidade de conhecer essa cidade fria e cinza, descobrindo suas cores, luzes, sombras, rostos e almas.


:::algumas fotografias:::


















.Curitiba, Paraná

segunda-feira, 15 de março de 2010

Sobre Fotografia


Na esperança de dar fôlego aos meus textos endurecidos produzidos academicamente a respeito da Fotografia, acabei criando um Blog para publicação de textos menos densos, porém, tão discursivos e somatórios aos interessados por tal prática. Aqui serão publicados discursos que me servirão como uma válvula de escape, já que a academia não nos permite expressar com tamanha fidelidade interpretações pessoais e subjetivas a respeito do nosso objeto de pesquisa. Desta forma, tentarei ser mais usual, na tentativa de trazer, por certo, um elemento de indagação e orientação fotográfica. O título deste Blog que vos fala, Que Asa Uso, faz menção ao nada, não tendo, portanto, nada de significativo ou teórico. Simplesmente é uma frase musical, sem nenhum interesse ideológico ou interpretativo. Publicarei, assim, ideias livres - sem amarras a teóricos ou interpretantes endurecidos - sujeitas a discussões, a fim de que se possa estabelecer um contato mais real e direto com essa "novidade" que é trazida ao olhar: um convite a refletir sobre o que se vê.